O Outro Lado
Como Boemundo de Taranto se fez cruzado ‒ Gesta Dei per Francos 4
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Luis Dufaur
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Supõe-se que o autor da “Gesta Dei per Francos” foi um clérigo, muito próximo, ou a serviço de Boemundo de Taranto, um dos heróis da I Cruzada.
A grande quantidade de pormenores a respeito deste chefe cruzado fundamenta essa suposição.
Mas Boemundo, poderoso na batalha, que estava envolvido no cerco de Amalfi no mar de Salerno, soube que uma hoste incontável de Cristãos de Francos havia chegado para ir ao Sepulcro do Senhor, e que estavam preparados para dar batalha contra a horda pagã.
Começou então a investigar de perto que armas de combate essas pessoas portavam, e que sinal de Cristo carregavam no caminho, ou que brado de guerra davam.
Em ordem, foram-lhe dadas as seguintes respostas:
‒ “Eles carregam armas adequadas para a batalha;
‒ no ombro direito, ou entre ambos os ombros, usam eles a Cruz de Cristo;
‒ o brado, “Deus o quer!, Deus o quer!, Deus o quer!” bradam eles, em verdade, a uma só voz”.
Movido diretamente pelo Espírito Santo, ordenou que a mais preciosa capa que trazia consigo fosse cortada em pedaços, e logo fez com que dela se fizessem cruzes.
Então, a maioria dos cavaleiros engajados naquele cerco correu ansiosamente até ele, de maneira que o Conde Rogério permaneceu praticamente sozinho.
Retornando à sua terra de origem, o Senhor Boemundo diligentemente se preparou para empreender, com seriedade, a viagem ao Santo Sepulcro.
Finalmente, cruzou ele o mar com seu exército. Com ele estavam Tancredo, filho de Marchisus, Ricardo de Principati e Rainulfo seu irmão, Roberto de Anse, Herman de Cannae, Roberto do Vale Surda, Roberto, filho de Tostanus, Hunfredo, filho de Raoul, Ricardo, filho do Conde Rainulfo, o Conde de Roscignolo com seus irmãos, Boellus de Chartres, Albered de Cagnano e Hunfredo do Monte Seaglioso.
Todos estes cruzaram o mar para prestarem serviço a Boemundo e desembarcaram na região da Bulgária, onde encontraram uma grande abundância de cereais, vinho e alimentos.
Daí descendo para o vale do Andronópoli, eles esperaram até que todos também tivessem cruzado o mar. Em seguida, o sábio Boemundo convocou um conselho com seu povo, confortando e admoestando a todos (com estas palavras):
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Taranto, Castello Aragonese |
‒ “Senhores, ouvi vós todos, porque somos peregrinos de Deus. Devemos, portanto, ser melhores e mais humildes que antes. Não saqueiem esta terra, uma vez que ela pertence aos Cristãos, e que ninguém, sob pena de ferir-se, tome mais do que necessita para comer”.
Partindo dali, caminhamos com grande abundância, de vila a vila, cidade a cidade, fortaleza a fortaleza, até chegarmos a Castoria.
Lá comemoramos solenemente o Natal do Senhor. Ficamos lá por vários dias e procuramos um mercado, mas as pessoas não estavam dispostas a nô-lo conceder porque temiam-nos muito, pensando que não viemos como peregrinos, mas para devastar sua terra e matá-los.
Por isso, tomamos seu gado, cavalos, jumentos, e tudo que encontramos. Deixando Castoria, entramos em Pelagonia, onde havia uma certa cidade de hereges fortificada.
Atacamo-la por todos os lados, e ela logo cedeu à nossa influência. Então, ateamos fogo nela e queimamos o campo com seus habitantes, isto é, a congregação dos hereges.
Mais tarde, chegamos ao rio Vardar. E então o Senhor Boemundo atravessou com seu povo, mas não com todos, pois o Conde de Roscignolo com seus irmãos ficaram para trás.
Nisso, um exército do Imperador veio e atacou o Conde com seus irmãos e todos que estavam com eles. Tancredo, ouvindo isso, voltou e, arremessando-se para o rio nadou ao encalço dos outros, e dois mil foram para o rio seguindo Tancredo.
Finalmente, caíram eles sobre os Turcopolos e Patzinaks, lutando com nossos homens.
Eles (Tancredo e seus homens) atacaram o inimigo repentina e corajosamente e os venceram gloriosamente.
Tomaram a vários deles e levaram-nos, atados, na presença de Boemundo, que falou para eles da seguinte forma:
‒ “Homens miseráveis, por que motivo matais o povo de Cristo e meu? Não tenho nenhuma desavença com seu Imperador”.
Eles responderam: “Não podemos fazer o contrário, estamos a serviço do Imperador, e o que ele ordena devemos cumprir”.
Boemundo lhes permitiu partir impunes. Esta batalha foi travada no quarto dia da semana, que é o início do jejum. Por tudo seja bendito o Senhor! Amém.
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Taranto, Castello Aragonese |
O infeliz Imperador enviou um dos seus homens, a quem ele muito amava, e a quem chamam Corpalatius, juntamente com nossos enviados, para nos conduzir em segurança através de sua terra até que chegássemos a Constantinopla.
E, enquanto fazíamos uma pausa diante de suas cidades, mandou que os habitantes nos oferecessem víveres, assim também como fizerem os de quem temos falado.
Na verdade, tinham eles um tão grande temor pelo mais valente exército do Senhor Boemundo, que não permitiram que nenhum de nós entrasse nas muralhas da cidade.
Nossos homens queriam atacar e tomar uma determinada cidade fortificada porque estava cheia de todos os tipos de produtos.
Mas o renomado Boemundo recusou-se a dar permissão, não só por justiça para com a terra, mas também por causa de seu juramento ao Imperador.
Portanto, ao saber das notícias, ficou enormemente irritado com Tancredo e todo o resto. Isso aconteceu ao entardecer.
Quando amanheceu, os moradores da cidade saíram e, em procissão, carregando cruzes em suas mãos, puseram-se na presença de Boemundo. Satisfeito, ele os recebeu, e com alegria deixou-os partir.
Em seguida, chegamos a uma certa cidade chamada Serrhae, onde montamos nossas tendas e tivemos provisões suficientes para aquele momento.
Lá o culto Boemundo fez um acordo muito amistoso com dois Corpalatii e, em respeito por sua amizade, bem como por justiça para com a terra, ordenou que todos os animais que tinham sido roubados por nossos homens fossem devolvidos.
Corpalatius prometeu a ele que enviaria mensageiros para, em ordem, devolver os animais a seus proprietários. Então, continuamos de castelo em castelo e de vila a vila até a cidade de Rusa.
O povo dos Gregos saiu, trazendo-nos muitas provisões, e foi alegremente ao encontro do Senhor Boemundo. Lá, instalamos tendas, no quarto dia da semana antes da festa do Senhor.
Lá também, o douto Boemundo deixou todo o seu exército e avançou para falar com o Imperador em Constantinopla. Deu ele ordens a seus vassalos, dizendo:
‒ “Aproximem-se da cidade gradualmente. Eu, porém, continuarei à frente”. E ele levou consigo alguns à frente do exército de Cristo e, vendo os peregrinos comprando comida, disse a si mesmo que sairia da estrada e conduziria o seu povo onde viveriam feliz.
Finalmente, entrou ele em um certo vale cheio de bens de todos os tipos que são alimento adequado para o corpo, e nele celebramos a Páscoa com muitíssima devoção.
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