O Outro Lado
Balduíno IV: o rei cruzado que atingido pela lepra venceu Saladino e o Islã
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Vitral do rei Balduino na Basílica de Saint-Denis, França |
Balduíno IV foi o último rei de Jerusalém com espírito de Cruzada. Guy de Lusignan, seu sucessor, foi um interesseiro, sob cujo reinado a Civilização Cristã perdeu a posse da Cidade Santa.
Na história das Cruzadas, nada é mais emocionante que o reinado doloroso de Balduíno IV.
Nada, entre os vários exemplos famosos, pode atestar melhor o império de um espírito de ferro sobre uma carne débil.
Foi um rei sublime, que os historiadores tratam só de passagem, o que faz perguntar por que até aqui nenhum escritor se inspirou nele, exceto talvez o velho poeta alemão Wolfram von Eschenbach.
Nem o romance nem o teatro o evocam, entretanto sua breve existência cheia de acontecimentos coloridos forma uma apaixonante e dilacerante tragédia.
O destino sorria à sua infância. Robusto e belo, ele era dotado da inteligência aguçada de sua raça angevina (de Anjou).
Tinha sido dado a ele por preceptor Guilherme de Tiro, que se tomou de “uma grande preocupação e dedicação, como é conveniente a um filho de rei”. O pequeno Balduíno tinha muito boa memória, conhecia suficientemente as letras, retinha muitas histórias e as contava com prazer.
Um dia em que brincava de batalha com os filhos dos barões de Jerusalém, descobriu-se que tinha os membros insensíveis: “Os outros meninos gritavam quando eram feridos, porém Balduíno não se queixava. Este fato se repetiu em muitas ocasiões, a tal ponto que o arquidiácono Guilherme alarmou-se.
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Guilherrme de Tiro descobre lepra no futuro rei Balduino IV |
“Primeiro pensou que o menino fazia uma proeza para não se queixar. Então perguntou-lhe por que sofria aquelas machucaduras sem queixar-se. O pequeno respondeu que as crianças não o feriam, e ele não sentia em nada os arranhões. Então o mestre examinou seu braço e sua mão, e certificou-se de que estavam adormecidos” (L’Eraclès). Era o sinal evidente da lepra, doença terrível e incurável naquele tempo.
Os médicos aos quais foi confiado não podiam sustar a infecção, nem mesmo retardar a lenta decomposição que afetaria suas carnes. Toda sua vida não foi senão uma luta contra o mal irremissível. Mais ainda, muito mais: foi testemunho dos poderes de um homem sobre si mesmo e da encarnação assombrosa dos mais altos deveres.
Balduíno IV foi um rei digno de São Luís, um santo, um homem enfim — e é isso, sobretudo, que importa à nossa admiração sem reticências — a quem nenhuma desgraça chegou a destruir o vigor de alma, as convicções, a altivez, as qualidades de coração, o senso das responsabilidades, dos quais ele hauria o revigoramento da coragem.
No fim de 1174, Saladino, senhor do Egito e de Damasco, veio sitiar Alepo. Os descendentes de Noradin pediram socorro aos francos.
Raimundo de Trípoli atacou a praça forte de Homs e Balduíno IV empreendeu uma avançada vitoriosa sobre Damasco. Estas iniciativas fizeram com que Saladino abandonasse seu desejo inicial.
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Saladino incendeia cidade, Chroniques de Guilhaum de Tyr, BNF, Mss fr 68 |
Em 1176 o sultão voltou à carga, e a mesma manobra frustrou seus planos. Balduíno venceu seu exército de Damasco, em Andjar, e trouxe um belo lucro da expedição. Nesta ocasião ele tinha quinze anos.
Apesar de sua doença, cavalgava como um homem de armas, empunhando eximiamente a lança.
Nenhum de seus predecessores teve tão cedo semelhante noção da dignidade real de que estava investido, e de sua própria utilidade.
Percebendo as rivalidades existentes entre os que o cercavam, compreendeu quão necessária era sua presença à cabeça dos exércitos católicos.
Mas que calvário deveria ser o seu! Aos sofrimentos físicos juntava-se a angústia moral: seu estado impedia-o de se casar, de ter um descendente.
Ele não era senão um morto-vivo, um morto coroado, cujas pústulas e purulências se disfarçavam sob o ferro e a seda, mas que se mantinha de pé e se lançava à ação, movido não se sabe por que sopro milagroso, por que alta e devoradora chama de sacrifício.
continúa no próximo post
(Fonte: Georges Bordonove, “Les Templiers”, in “Catolicismo” nº 303)
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