A descoberta da Santa Lança ‒ Gesta Dei per Francos 14
O Outro Lado

A descoberta da Santa Lança ‒ Gesta Dei per Francos 14


Descoberta da Santa Lança
Mas, um dia, quando nossos chefes, tristes e desconsolados, estavam postados diante da fortaleza [de Antioquia], um certo sacerdote veio até eles e disse:

‒ “Senhores, se vos agradar, ouvi um determinado assunto que vi em uma visão. Quando uma noite, deitado na igreja de Santa Maria, Mãe de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, o Salvador do mundo, apareceu-me com Sua Mãe e São Pedro, príncipe dos apóstolos, e parou diante de mim e disse: ‘Vós me conheceis?’



“Respondi: ‘Não’. Ao ouvir estas palavras, eis [que vi] uma cruz inteira em Sua cabeça.

“Uma segunda vez, pois, o Senhor me perguntou: ‘Vós me conheceis?’

“Para ele, eu respondi: não vos conheço, exceto que vejo uma cruz sobre Vossa cabeça como a de Nosso Salvador.

“Ele respondeu: ‘Sou Ele’.

“Imediatamente caí aos Seus pés, suplicando humildemente que Ele nos ajudasse na opressão em que nos achávamos.

“O Senhor respondeu: Eu vos tenho ajudado com benevolência e agora vou ajudá-lo. Permiti que tivesses a cidade de Nicéia, e que vencesses todas as batalhas e vos conduzi para cá até este ponto, e Me afligi com a miséria que sofrestes no cerco de Antioquia.

“Eis que com ajuda oportuna conduzi-o são e salvo para dentro da cidade, e atentai! (Vós tendes) tido muitos prazeres maus com mulheres cristãs e pagãs depravadas, dos quais um mau odor além da medida sobe até o Céu”.

“Então a Virgem amorosa e o Bem-aventurado Pedro cairam aos Seus pés, orando e suplicando-Lhe que ajudasse Seu povo na presente tribulação, e o bem-aventurado Pedro disse: ‘Senhor, por tanto tempo o exército pagão tomou minha casa, e nela têm-se cometido muitos erros indescritíveis. Mas agora, Senhor, desde que o inimigo foi expulso daqui, os anjos se alegram no Céu’.

“O Senhor então disse-me: ‘Vá dizer ao Meu povo que volte para Mim, e Eu retornarei a eles, e dentro de cinco dia enviar-lhes-ei uma grande ajuda. Que eles cantem todos os dias o responsório Congregati sunt, inteiro, incluindo o verso’.

“Senhores, se vós não acreditais que isso seja verdade, deixe-me subir até esta torre, e me jogarei para baixo, e se eu sair ileso, acreditem que isso é verdade. Se, no entanto, eu tiver sofrido qualquer dano, degolem-me, ou lancem-me no fogo”.

Então, o Bispo de Puy ordenou que o Evangelho e a Cruz fossem levados, para que ele pudesse prestar juramento de que isso era verdade.

Todos os nossos chefes foram orientados nesse momento a prestar o juramento de que nenhum deles fugiria, para a vida ou para a morte, enquanto estivessem vivos.

Antioquia
Diz-se que Boemundo foi o primeiro a fazer o juramento, em seguida o Conde de St. Gilles, Roberto da Normandia, o Duque Godofredo, e o Conde de Flandres.

Tancredo, na verdade, jurou e prometeu desta forma: que, enquanto ele tivesse quarenta cavaleiros com ele, não só não se retiraria dessa batalha, mas também, da marcha para Jerusalém. Por causa disso, a assembléia dos cristãos exultou muito ao ouvir esse juramento.

Havia um certo peregrino do nosso exército, cujo nome era Pedro, a quem, antes de entrar na cidade, Santo André, o apóstolo apareceu e disse:

‒ “Que fazeis, bom homem?”

Pedro respondeu: “Quem és?”

O apóstolo disse a ele:

‒ “Sou Santo André, o apóstolo. Saiba, meu filho, que quando entrares na cidade, ide à igreja de São Pedro. Lá acharás a Lança de Nosso Salvador, Jesus Cristo, com a qual Ele foi ferido enquanto estava pendurado no braço da cruz”.

Tendo dito tudo isso, o apóstolo imediatamente se retirou.

Mas Pedro, com medo de revelar o conselho do apóstolo, não estava disposto a dar isso a conhecer aos peregrinos. No entanto, ele pensou que tinha tido uma visão, e disse:

‒ “Senhor, quem acreditaria nisso?”

Mas naquela hora Santo André pegou-o e levou-o para o lugar onde a Lança estava escondida no chão. Quando estávamos, uma segunda vez, em tais (estreitos) como já mencionamos acima, Santo André voltou, dizendo-lhe:

‒ “Por que motivo ainda não tirastes a Lança da terra, como te ordenei? Saiba, na verdade, que quem trouxer essa Lança na batalha nunca será derrotado pelo inimigo”.

Pedro, na verdade, imediatamente deu a conhecer aos nossos homens o mistério do apóstolo.

O povo, porém, não acreditou, mas recusou terminantemente, dizendo: “Como podemos acreditar nisso?”

Pois eles estavam totalmente apavorados e pensavam que fossem morrer de imediato. Então, este homem saiu e jurou que tudo era muitíssimo verdadeiro, uma vez que Santo André lhe havia aparecido duas vezes numa visão, e lhe tinha dito:

‒ “Levantai-vos e ide dizer ao povo de Deus que não tenha medo, mas confie firmemente com todo o coração no Deus único e verdadeiro e eles serão vitoriosos em toda parte. Dentro de cinco dias o Senhor lhes mandará um tal sinal que eles ficarão felizes e alegres, e se quiserem lutar, deixai-os ir imediatamente para a batalha, todos juntos, e todos os seus inimigos serão derrotados, e ninguém poderá lhes opor”.

Então, quando souberam que seus inimigos seriam derrotados por eles, começaram logo a recobrar ânimo e a se encorajar, dizendo:

‒ “Levantai-vos, e sêde corajosos e atentos, pois o Senhor virá ao nosso auxílio na próxima batalha, e será o maior refúgio para Seu povo, que Ele contempla padecendo na dor”.

Assim, ao ouvir as declarações do homem que relatou para nós a revelação de Cristo através das palavras do apóstolo, pressurosos fomos imediatamente ao local que ele tinha indicado, na igreja de São Pedro.

Treze homens cavaram lá da manhã até as vésperas.

E aquele homem encontrou a Lança, assim como havia indicado.

Eles a receberam com grande contentamento e espanto, e uma alegria sem medida espalhou-se pela cidade toda.

Fonte: August C. Krey, A Primeira Cruzada: relatos das testemunhas e participantes (Princeton: 1921), 174-76.


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