Caso do leão mostra que ‘verdes’ nada sabem da natureza, aponta zimbabuano
Leão caça uma impala
Luis Dufaur
Um fato sugestivo dos exageros ambientalistas aconteceu recentemente no Zimbábue.
Sobre ele nos fala o estudante zimbabuano de bioquímica Goodwell Nzou, que está preparando seu doutorado em biociências moleculares e celulares na Wake Forest University, em Winston-Salem, na Carolina do Norte (EUA).
Inesperadamente ele começou a receber estranhas mensagens de texto e postagens no Facebook que vieram distraí-lo.
“Lamento muito pelo Cecil” – escreviam uns.
“Cecil vivia perto do seu lugar no Zimbábue?” – perguntavam outros.
Goodwell Nzou de início não entendeu o que estava acontecendo.
Mas deixemo-lo contar o resto da história e nos transmitir uma dose de realismo, simpatia e bom senso.
O artigo original foi publicado pelo The New York Times e reproduzido em português pelo O Estado de S.Paulo.
MENOS UM: NO ZIMBÁBUE, NÃO CHORAMOS POR LEÕES
“Cecil quem?”, eu me perguntei.
Goodwell Nzou desmitifica tendenciosa montagem verde por um leão
Quando assisti ao noticiário e descobri que as mensagens diziam respeito ao leão morto por um dentista americano, o menino de aldeia dentro de mim instintivamente vibrou: um leão a menos para ameaçar famílias como a minha.
Meu ardor foi extinto quando percebi que o matador do leão estava sendo pintado como o vilão.
Enfrentei então a mais absoluta contradição cultural que já experimentara em meus cinco anos estudando nos Estados Unidos.
Será que todos esses americanos que assinam petições compreendem que os leões matam pessoas?
Que toda a conversa sobre Cecil ser “amado” ou um “queridinho local” foi badalação da mídia?
Será que Jimmy Kimmel se emocionou porque Cecil foi assassinado ou por tê-lo confundido com Simba de O Rei Leão?
Em minha aldeia no Zimbábue, rodeada por áreas de preservação da vida selvagem, nenhum leão jamais foi amado ou recebeu um apelido afetivo. Eles são objetos de terror.
Quanto eu tinha 9 anos, um leão solitário rondou aldeias perto de minha casa. Depois que ele comeu algumas galinhas, cabras e, por fim, uma vaca, fomos recomendados a andar para a escola em grupos e parar de brincar ao ar livre.
Minhas irmãs não iam mais sozinhas ao rio buscar água ou lavar a louça; minha mãe esperava por meu pai e meus irmãos mais velhos, armados com facões, machados e lanças, para a escoltarem à mata para apanhar lenha.
Uma semana depois, minha mãe reuniu meus nove irmãos e eu para explicar que seu tio havia sido atacado, mas escapara apenas com uma perna ferida.
O leão sugava a vida da aldeia: ninguém espairecia ao lado das fogueiras à noite; ninguém ousava passear até uma fazenda vizinha. Quando o leão foi finalmente morto, ninguém se importou se o seu matador foi algum morador local ou um caçador de troféus branco, se ele foi caçado legal ou ilegalmente. Nós dançamos e cantamos sobre a extinção da fera assustadora e nossa salvação de danos graves.
“O leão sugava a vida da aldeia. Quando foi morto nós dançamos e cantamos”, diz Goodwell Nzou. Leão africano.
Recentemente, um garoto de 14 anos de uma aldeia não distante da minha não teve a mesma sorte.
Dormindo nos campos de sua família, como os aldeões fazem para proteger as culturas de hipopótamos, búfalos e elefantes que as pisoteiam, ele foi atacado por um leão e morreu.
A morte de Cecil não lhe rendeu muito mais simpatia de zimbabuanos urbanos, embora eles não convivam com semelhante perigo. Poucos deles sequer viram um leão.
Não me compreendam mal: para os zimbabuanos, os animais selvagens têm um significado quase místico. Nós pertencemos a clãs, e cada clã estipula um totem animal como seu ancestral mitológico.
O meu é Nzou, o elefante, e, por tradição, não posso comer carne de elefante; seria o mesmo que comer a carne de um parente.
Mas nosso respeito por esses animais nunca nos impediu de caçá-los ou permitir que fossem caçados (sou familiarizado com animais perigosos; perdi a perna direita numa mordida de cobra quando tinha 11 anos).
A tendência americana de romantizar animais que tenham recebido nomes reais e de se jogar em cadeias de hashtags transformou uma situação comum — 800 leões foram legalmente mortos durante uma década — no que parece, aos meus olhos zimbabuanos, um circo absurdo.
A PETA (Pessoas pelo Tratamento Ético de Animais) está propondo o enforcamento do caçador. Políticos zimbabuanos acusam os Estados Unidos de encenar a matança de Cecil numa “conspiração” para passar uma má imagem de seu país.
E os americanos que não conseguem localizar o Zimbábue num mapa estão aplaudindo a demanda da nação pela extradição do caçador, sem atentar para o fato de que um bebê elefante foi abatido para o mais recente banquete de aniversário de nosso presidente, conforme se noticiou.
Nós zimbabuanos balançamos nossas cabeças, nos perguntando por que os americanos se importam mais com animais africanos do que com a gente africana.
Não nos digam o que fazer sobre nossos animais quando permitiram que seus leões da montanha fossem caçados até as raias da extinção no leste dos Estados Unidos.
Não lamentem o desmatamento de nossas florestas quando vocês transformaram as suas em selvas de concreto.
E, por favor, não me ofereçam condolências sobre Cecil a menos que estejam dispostos a me oferecer condolências por aldeões mortos ou deixados famintos por seus irmãos, pela violência policial ou pela fome.
Universitário zimbabuano ficou alegre com a caça de “Cecil” e mostrou que os leões são “objeto de terror” em seu país
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