Após explosão, corrupção e suspeitas apavoram o país. Bolsas desabam na incerteza geral
A potência das explosões foi de 21 toneladas de TNT
Luis Dufaur
Sucessivas explosões abalaram a cidade Tianjin, quinta maior cidade da China e um de seus polos mais dinâmicos.
Tianjin é o porto de Pequim, do qual dista pouco mais de 110 quilômetros. Por ele passam 540 milhões de toneladas de mercadorias por ano. É o quarto maior porto do mundo.
O fogo teria começado nos depósitos portuários da Rui Hai Logistics especializada no transporte de produtos perigosos, que chegam ou saem por barco, caminhão ou trem.
Todo ano, a empresa transporta um milhão de toneladas de mercadorias desse tipo.
A empresa vinha sendo apontada há anos pela falta de segurança de seus procedimentos, mas nenhuma medida foi tomada a respeito. Tal carência é comum na China onde a corrupção grassa na administração pública e no Partido Comunista garantindo a impunidade, como referiu o jornal de Paris, Le Monde.
O local da explosão ficou parecendo um campo de batalha, segundo o jornal de Paris Le Figaro. Milhares de carros carbonizados, prédios devastados incontáveis contêineres desfeitos e empilhados.
Calcula-se que a potência da série de explosões foi de 21 toneladas de TNT. A terra tremeu como num terremoto e as ondas expansivas devastaram tudo num raio de 2 quilômetros do epicentro.
O presidente Xi Jinping prometeu um inquérito implacável e “ uma informação transparente para o público”.
Ato contínuo, as autoridades locais confiaram o inquérito ao exército que baniu os jornalistas do local e cerceou a informação independente.
Tudo parece feito para nada ficar claro: causas, origem do incêndio, materiais envolvidos, responsáveis, até o número real de mortos e feridos.
Não se entende como tantos materiais perigosos podiam ser armazenados perto da residência de milhares de pessoas
A China tem uma longa e triste história de catástrofes industriais que levaram enorme número de vidas, atribuíveis a falta de segurança básica e à corrupção generalizada na administração pública e no aparato do Partido Comunista.
Nas calamidades precedentes, as autoridades socialistas concentraram sua intervenção no abafamento dos fatos. A população não acredita mais no que lhe é dito.
Há um ano, um explosão numa fábrica de peças para carros em Kunshan, a uma hora de Xangai, deixou 75 mortos. Segundo a Justiça houve desrespeitos flagrantes às normas de segurança. Mas, nada de sério foi feito. Depois foi a sinistra vez de Tianjin.
E três semanas depois foi a vez de uma fábrica química na cidade de Zibo, província de Shandong. Repetiu-se o esquema mortal da explosão de Tianjin, a maior das duas calamidades.
Não se entende como materiais perigosos podem ser armazenados em tão grandes proporções perto da residência de milhares de pessoas, em Tianjin, Zibo e em outras localidades. Segundo o grupo de mídia Caixin, de Pequim, os funcionários da empresa responsável jamais receberam instrução específica no quesito segurança.
Cinco dias depois da calamidade, a China ainda contava os mortos – 123 segundo o computo oficial – e os feridos – mais de 700. Tal vez nunca se saberá o número real. No local, os restos de cianeto, ao qual se atribui o desastre, equivaliam a 356 vezes a quantidade limite tolerável.
Para Claude Meyer, do Centre Asie do Institut Français des Relations Internationales – IFRI e professor de Ciências Políticas da Sorbonne, a catástrofe interessa a perto de 300 multinacionais das mais importantes do mundo, noticiou 20minutes.fr.
“É difícil conhecer as consequências econômicas do desastre, especialmente porque as informações fornecidas pelas autoridades são muito parciais”, observou.
O problema segundo ele não é tanto o dano material – imenso, mas assimilável – mas o fato de “ter sido posto em evidência e de maneira espetacular o problema da segurança na China”.
Incidentes análogos já aconteceram em outras partes do país, mas ficaram menos conhecidos. Agora, o regime não pode abafá-lo.
Enquanto a população ainda se recuperava do impacto foi assaltada pelo pavor de uma contaminação química geral. As primeiras chuvas formaram sobre o solo uma estranha espuma branca.
Peixes mortos à beira do rio Haihe perto do local das explosões
Os jornais locais publicaram numerosas fotos, as redes sociais estavam cheias de especulações. Muitos falavam de assaduras e queimaduras da pele, escreveu Le Figaro.
E os temores não eram só psicológicos. O chefe do Escritório de Proteção do Meio Ambiente de Tianjin, Bao Jingling, aconselhou os habitantes a não se expor à chuva e nem misturar com água a poeira espalhada pela explosão.
Não demorou muito para as beiras do rio Haihe próximo do local das explosões aparecerem cobertas com imensas quantidades de peixes mortos.
A NBC News noticiou que “a divisão de luta química do exército foi enviada ao local e que a situação estava gerando muita preocupação”.
O governo admite a presença de centenas de toneladas de cianeto, altamente tóxico, usado pela indústria civil. O recurso a uma equipe de 217 militares especialistas em armas nucleares, bacteriológicas e químicas, junto com o silenciamento das fontes independentes de informação faz pensar em algo inconfessável.
Em várias contas de Weibo, espécie de Twitter chinês, há queixas de censura de fotos.
Segundo a agência oficial China News, os principais donos da Rui Hai agiam sob nomes falsos e faziam parte da nomenklatura comunista que governa o país.
Dong Shexuan, 34, que controla 45% da Rui Hai é filho do antigo chefe de polícia de Tianjin e usava o nome de um colega, por causa do pai. De fato, Dong reconheceu ter obtido as licenças por meio de suas relações políticas na polícia e nos bombeiros, noticiou Le Figaro.
O primeiro ministro Li Keqiang contempla a magnitude do desastre. O presidente Xi Jinping prometeu transparência total mas mandou silenciar a imprensa
A outra parte da empresa pertence a Yu Xuewei, ex-diretor da Sinochem, o gigante da indústria química chinesa que agia dissimulado por trás do nome de um terceiro.
A Rui Hai International Logistics chegou a trabalhar sem licença nenhuma, informou a China News. Yu Xuewei justificou-se, dizendo que “muitas outras empresas agem assim”.
O próprio prefeito de Tianjin fez um mea culpa sinuoso e público. “Não posso eludir minhas responsabilidades”, disse Huang Xingguo, enquanto os moradores evacuados de suas casas tornadas inabitáveis manifestavam enfurecidos diante do luxuoso hotel onde o prefeito fazia sua conferência de imprensa.
Por sua vez, o governo central tenta passar toda a responsabilidade aos dirigentes socialistas locais. Pequim quer driblar a cólera popular e o vespeiro de denúncias da irresponsabilidade geral do sistema comunista a nível nacional.
A opacidade com que o governo trata do caso atiça a desconfiança da população, como aconteceu há pouco no terremoto de Sichuan e é um dos fatores mais aterrorizantes do pesadelo que sofre a grande nação chinesa sob a bota comunista.
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