O Outro Lado
Exortação pós-sinodal Amoris laetitia: primeiras reflexões sobre um documento catastrófico 
 
 
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| O cardeal Schönborn apresenta a Exortação pós-sinodal Amoris Laetitia. “Minha maior alegria em relação a este documento”, disse o cardeal de Viena,
 é que ele constantemente supera a divisão entre regular e irregular”
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| Roberto de Mattei (1948 - ) professor de História,
 especializado nas ideias
 religiosas e políticas no
 pós-Concilio Vaticano II.
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Com a Exortação apostólica pós-sinodal 
Amoris laetitia, publicada em 8 de abril, o Papa Francisco pronunciou-se oficialmente sobre problemas de moral conjugal, em discussão há dois anos.
No Consistório de 20 e 21 de fevereiro de 2014, Francisco havia confiado ao cardeal Kasper a tarefa de introduzir o debate sobre esta questão.
A tese do cardeal Kasper, de que a Igreja deve mudar a sua prática pastoral nas questões matrimoniais, foi o 
leitmotiv dos dois Sínodos sobre a família de 2014 e 2015, e constitui hoje a pedra angular da exortação do Papa Francisco.
No decurso desses dois anos, ilustres cardeais, bispos, teólogos e filósofos intervieram no debate, a fim de mostrar que deve existir uma íntima coerência entre a doutrina e a práxis pastoral da Igreja. Pois, de fato, a pastoral se baseia na doutrina dogmática e moral. 
 “Não pode haver pastoral que esteja em desarmonia com as verdades da Igreja e com a sua moral, e em contraste com as suas leis, e que não seja orientada a alcançar o ideal da vida cristã”, observou o cardeal Velasio De Paolis em seu discurso inaugural ao Tribunal Eclesiástico Umbro de 27 de março de 2014.
A ideia de separar o Magistério de uma prática pastoral passível de evoluir de acordo com as circunstâncias, as modas e as paixões, segundo o cardeal Sarah
, “é uma forma de heresia, uma perigosa patologia esquizofrênica” (“La Stampa”, 24 de fevereiro de 2015).
Nas semanas que antecederam a Exortação pós-sinodal, multiplicaram-se as intervenções públicas e privadas de cardeais e bispos junto ao Papa, a fim de evitar a promulgação de um documento prenhe de erros, detectados pelas numerosas alterações que a Congregação para a Doutrina da Fé fez ao projeto.
Francisco não retrocedeu, mas parece ter confiado a última reescritura da Exortação, ou pelo menos de algumas de suas passagens-chave, a teólogos de sua confiança, que tentaram reinterpretar Santo Tomás à luz da dialética hegeliana.
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| O cardeal Lorenzo Baldisseri, Secretário Geral do Sínodo, durante a apresentação da Amoris Laetitia.
 O documento superou a ousadia de relatórios sinodais prévios.
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O resultado foi um texto que não é ambíguo, mas claro em sua indeterminação. A teologia da práxis exclui qualquer declaração doutrinária, deixando à história desenhar a linha de conduta dos atos humanos.
Portanto, como afirma Francisco, 
“é compreensível” que, sobre a questão crucial dos divorciados recasados, 
“[...] se não devia esperar do Sínodo ou desta Exortação uma nova normativa geral de tipo canônico, aplicável a todos os casos” (§300).
Se se está convencido de que os cristãos, em seu comportamento, não devem se conformar com os princípios absolutos, mas se porem a escutar os “sinais dos tempos”, seria contraditório formular regras de qualquer gênero.
Todos esperavam resposta a uma pergunta de fundo: Podem receber o sacramento da Eucaristia aqueles que, depois de um primeiro casamento, se recasam civilmente?
A esta pergunta a Igreja sempre respondeu categoricamente que não. Os divorciados recasados não podem receber a comunhão porque a sua condição de vida contradiz objetivamente a verdade natural e cristã sobre o casamento, significada e realizada na Eucaristia (
Familiaris Consortio, §84).
A resposta da Exortação pós-sinodal  é o contrário: em linha geral não, mas 
“em certos casos” sim (§305, nota 351). Os divorciados recasados devem realmente ser “integrados” e não excluídos (§299).
A sua integração 
“a sua participação pode exprimir-se em diferentes serviços eclesiais, sendo necessário, por isso, discernir quais das diferentes formas de exclusão atualmente praticadas em âmbito litúrgico, pastoral, educativo e institucional possam ser superadas” (§299), sem excluir a disciplina sacramental (§336).
O fato é o seguinte: a proibição de os divorciados recasados se aproximarem da comunhão não é mais absoluta. O Papa não autoriza, como regra geral, a comunhão aos divorciados, mas tampouco a proíbe. 
 “Aqui – havia sublinhado o cardeal Caffara contra Kasper  – se toca na doutrina. Inevitavelmente. Pode-se arguir que não se toca, mas toca-se. Não só. Introduz-se um costume que a longo prazo incute a seguinte ideia nas pessoas, até nas não cristãs: não existe nenhum casamento absolutamente indissolúvel. E isto é certamente contra a vontade do Senhor. Não há dúvida sobre isso” (Entrevista a “Il Foglio”, 15 de março de 2014).
Para a teologia da práxis, as regras não contam, mas sim os casos concretos.
E aquilo que não é possível em abstrato, é possível na prática.
Mas, como bem observou o
 cardeal Burke: “Se a Igreja permitisse a recepção dos sacramentos (ainda que em um só caso) a uma pessoa que está em união irregular, significaria ou que o casamento não é indissolúvel e, portanto, que a pessoa não está vivendo em estado de adultério, ou que a sagrada comunhão não é a comunhão no Corpo e no Sangue de Cristo, o que, pelo contrário, requer uma reta disposição da pessoa, ou seja, o arrependimento do pecado grave e a firme resolução de não mais pecar” (Entrevista a Alessandro Gnocchi no “Il Foglio”, 14 de outubro de 2014).
Além disso, a exceção é destinada a se tornar uma regra, porque em 
Amoris laetitia o critério do acesso à comunhão é deixado ao 
“discernimento pessoal” do indivíduo. O discernimento é feito através do
 “diálogo com o sacerdote, no foro interno” (§300), 
“caso a caso”.
Mas quais serão os pastores de almas que ousarão vetar o acesso à Eucaristia, se 
“o próprio próprio Evangelho exige que não julguemos nem condenemos” (§308), que é necessário 
“integrar todos” (§297) e 
“valorizar os elementos construtivos nas situações que ainda não correspondem ou já não correspondem à sua doutrina sobre o matrimônio” (§292)?
Os pastores que quisessem recordar os mandamentos da Igreja correriam o risco de agir, segundo a Exortação, 
“como controladores da graça e não como facilitadores” (§310).
“Por isso, um pastor não pode sentir-se satisfeito apenas aplicando leis morais àqueles que vivem em situações ‘irregulares’, como se fossem pedras que se atiram contra a vida das pessoas. É o caso dos corações fechados, que muitas vezes se escondem até por detrás dos ensinamentos da Igreja ‘para se sentar na cátedra de Moisés e julgar, às vezes com superioridade e superficialidade, os casos difíceis e as famílias feridas’” (§305).
Esta 
inédita linguagem, ainda mais dura que a dureza de coração que ela recrimina nos 
“controladores da graça”, é o traço distintivo da 
Amoris laetitia, a qual, não por acaso, na conferência de imprensa de 8 de abril, o cardeal Schönborn definiu como 
“um evento linguístico”.
“Minha maior alegria em relação a este documento”, disse o cardeal de Viena, é que ele “constantemente supera a artificial, externa, clara divisão entre regular e irregular”.
A linguagem, como sempre, exprime um conteúdo. As situações que a Exortação pós-sinodal define como 
“chamadas irregulares” são o adultério público e a coabitação extraconjugal. Para 
Amoris laetitia, ambos realizam o ideal do matrimônio cristão, embora 
“de forma parcial e analógica” (§292). 
 “Por causa dos condicionalismos ou dos fatores atenuantes, é possível que uma pessoa, no meio duma situação objetiva de pecado – mas subjetivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –, possa viver em graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja” (§305), “em certos casos, poderia haver também a ajuda dos sacramentos” (nota 351).
De acordo com a moral católica, as circunstâncias que formam o contexto no qual a ação se desenvolve não podem alterar a qualidade moral dos atos, tornando bom e reto o que é intrinsecamente mau.
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| Os cardeais Lorenzo Baldisseri e Christoph Schönborn comemoram o documento. A equiparação entre pessoas em estado de graça e em estado permanente de pecado
 parece sucumbir à teoria luterana condenada pelo Concílio de Trento.
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Mas a doutrina dos absolutos morais e do 
intrinsece malum é frustrada pela 
Amoris laetitia, que se alinha à “nova moral” condenada por Pio XII em numerosos documentos e por João Paulo II na 
Veritatis Splendor.
A moral de situação deixa às circunstâncias e, em última análise, à consciência subjetiva do homem, a determinação do que é bom e do que é mau.
A união sexual extraconjugal não é considerada intrinsecamente ilícita, mas, enquanto ato de amor, sujeita a uma avaliação de acordo  com as circunstâncias. Mas geralmente não há nenhum mal em si, pois não existe pecado grave ou mortal.
A equiparação entre pessoas em estado de graça (situações “regulares”) e pessoas em estado permanente de pecado (situações “irregulares”) não é apenas linguística: parece sucumbir à teoria luterana do homem 
simul iustus et pecator, condenada pelo Decreto sobre a justificação do Concílio de Trento (Denz-H, nn. 1551-1583).
A Exortação pós-sinodal 
Amoris laetitia é muito pior do que o relatório do cardeal Kasper, contra o qual foram justamente lançadas tantas críticas em livros, artigos, entrevistas.
O cardeal Kasper havia colocado algumas perguntas, a Exortação 
Amoris laetitia oferece a resposta: abre a porta para os divorciados recasados, canoniza a moral de situação e inicia um processo de normalização de todas as coabitações 
more uxurio [NdT: incluindo a dimensão de intimidade conjugal].
Considerando que o novo documento pertence ao Magistério ordinário não infalível, deve-se desejar que seja objeto de análise crítica aprofundada por parte de teólogos e Pastores da Igreja, sem se iludirem com a ideia de que a ele se pode aplicar a “hermenêutica da continuidade”.
Se o texto já é catastrófico, mais catastrófico ainda é o fato de que ele foi assinado pelo Vigário de Cristo. Mas para aqueles que amam a Cristo e à sua Igreja, esta é uma boa razão para falar, não para calar.
Assim, fazemos nossas as palavras de um bispo corajoso, Dom Athanasius Schneider: 
 “‘Non possumus!’. Não aceitarei um ensinamento ofuscado nem uma abertura habilmente disfarçada da porta dos fundos para que por ela passe uma profanação dos Sacramentos do Matrimônio e da Eucaristia. Da mesma forma, não aceitarei uma burla do Sexto Mandamento de Deus. Prefiro ser ridicularizado e perseguido a ter que aceitar textos ambíguos e métodos insinceros. Prefiro a cristalina ‘imagem de Cristo, a Verdade, à imagem da raposa ornamentada com pedras preciosas’ (Santo Irineu), porque ‘Sei em quem pus minha confiança’, ‘Scio credidi cui’ (II Tm 1, 12)” (“Rorate Coeli”, 2 de novembro de 2015).
(*) Fonte: “Corrispondenza Romana”, 10-4-2016. Matéria traduzida do original italiano por Hélio Dias Viana.
 
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