Da Grande Muralha de pedra à “Muralha de Fogo”
O Outro Lado

Da Grande Muralha de pedra à “Muralha de Fogo”


A censura e a espionagem da Internet dividem o mundo chinês em dois
A censura e a espionagem da Internet dividem o mundo chinês em dois
Luis Dufaur





O escritor Murong Xuecun, que morou em Lhasa, capital do Tibete, estava conversando com um amigo chinês, que lhe perguntou: “Você sabia que os tibetanos estão ateando fogos em si mesmos?”

E contou-lhe então detalhes horríveis – o escritor nunca ouvira falar de atos de auto-imolação –, acrescentando:

“Todo mundo para lá da muralha sabe disso. Um escritor que se preocupa com a China, mas que não passa por cima da muralha, sofre de deficiência moral. Você não deveria deixar uma muralha decidir o que você sabe.”



O escritor entendeu. “Para lá da muralha” significava a tristemente famosa Grande Muralha Digital da China, um esquema montado pela ditadura por volta de 1998 para rastrear e bloquear conteúdos da internet.

Passados 17 anos, esse firewall divide em dois o mundo chinês.

O leitor deste blog está do lado de cá. Se estivesse em Pequim, Xangai ou Cantão, não poderia ler o que está lendo, pois a muralha bloqueia “Pesadelo chinês”.

Leia mais a respeito em: “Sem novidades na grande prisão: ‘Pesadelo chinês’ continua bloqueado na China”. 

Murong descreveu suas experiências em artigo para The New York Times, o qual foi traduzido pela Folha de S.Paulo. 

O leitor está no mundo da livre informação e do intercâmbio de ideias, enquanto o lulopetismo e a Teologia da Liberação não envolverem o Brasil num muro de tipo chinês.

Este é um mundo onde a regra é a censura e o monitoramento de tudo o que você escreve e tenta ler. Tudo o que você falar ou escrever estará sendo lido por alguém. E alguém do Partido...

Murong Xuecun: 12 amigos acadêmicos, advogados e jornalistas presos em 18 meses pelo uso da Internet.
Murong Xuecun: 12 amigos acadêmicos, advogados
e jornalistas presos em 18 meses pelo uso da Internet.
Essa muralha digital transforma a China numa prisão informativa, onde a ignorância favorece a ideologia do ódio igualitário: o socialismo maoísta. Ai se você sobressair, discordar, não aprovar, procurar uma longa lista de palavras proibidas!

Contudo, o Grande Firewall da China tem seus furos. Murong conta que o amigo chinês o ajudou a instalar um software de rede privada virtual para saltar a muralha.


Mas não são todos os chineses que podem ou que sabem, ou que ousam. Por isso muitos sabem mais sobre a história antiga do país do que sobre fatos das últimas décadas.

E Murong confessa que antes de ter podido acessar a web com liberdade, fazia parte dessa massa de ignorantes.

Ao debruçar-se sobre a muralha, ele viu outro mundo através de uma janela.

Procurou os relatos e as fotos das auto-imolações dos tibetanos; da história recente da China; da Campanha Anti-Direitista de 1957-1959, quando foram perseguidos centenas de milhares de intelectuais; da Grande Fome de 1958-1962, da Revolução Cultural de 1966-1976 e dos assassinatos da Tiananmen em junho de 1989.

Até que, três meses depois, a primeira rede privada virtual de Murong foi detectada e fechada pelas autoridades.

Porém, ele foi encontrando outras. Entre os internautas chineses existe avidez em obter softwares antifirewall.

Em ‘Pesadelo chinês’ nós temos a experiência palpável desse drama. Nosso blog está bloqueado no continente, com exceção de Hong-Kong. Mas, por vezes, os contadores detectam uma inesperada movimentação de internautas chineses.

Isso acontece inesperadamente, até nos pegando de surpresa. Mas não diremos como acontece.

Dizemos sim, com tristeza, que, assim como abriu, essa portinhola de repente se fecha. E ficamos pensando com dor nesses pobres internautas que foram interceptados.

O tempo passa e, no momento mais inesperado, a janelinha da esperança se abre. Lá estão eles, perseverando, furando... Que Nossa Senhora os proteja. Um dia – confiamos na Providência – poderemos nos ver face a face.

Hoje é a lei do silêncio e do hermetismo... para o bem deles!

Murong calcula que dos 30 sites mais visitados do mundo, 16 são inacessíveis na China, inclusive o Facebook e o Google.

Muitos serviços da web são bloqueados sem nenhuma razão, exceto a de serem estrangeiros.

Protesto diante da New York Public Library
pedindo liberdade de expressão e fim da censura na China.
Em vez do Google, o governo estimulou o Baidu. Não há Twitter, mas Weibo. Há plataformas nacionais para compartilhar fotos e vídeos. O exército de olhos do regime espiona tudo.

Todo internauta odeia a mensagem de erro “404 Not Found”, quando procurou um endereço proibido.

O pai da Grande Muralha Digital, Fang Binxing, ex-diretor da Universidade dos Correios e Telecomunicações de Pequim, é o grande amaldiçoado nesses momentos.

Quando a conta de internet do simples usuário é cancelada, na China se diz que foi “murada”. Se você for preso, tiver sua liberdade cerceada e suas mensagens excluídas, você também foi “murado”.

Por todo o país podem ser lidos cartazes com o slogan “Por que a China é forte? Só por causa do partido”. A palavra chinesa “forte” (qiang) é homônima da palavra que designa “muro”. Então os internautas – considerados subversivos pelo governo – preferem ler “Por que a China é murada? Só por causa do partido”.

O firewall do governo é cada vez mais sofisticado e as fissuras digitais são cada vez menores. Quase todos os dias um novo provedor de VPN é fechado, ficando cada dia mais difícil encontrar uma opção confiável em longo prazo.

Não é brincadeira. Nos últimos 18 meses, 12 amigos de Murong foram presos. Entre eles havia acadêmicos, advogados e jornalistas. A internet era seu principal canal de comunicação, e talvez tenha sido através dela que os pegaram.

A China está numa guerra entre a espionagem e a liberdade. E você, lendo este post, acabou tomando parte nela sem querer.





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