O Outro Lado
As Cruzadas, decorrência necessária dos Evangelhos ‒ Apologia da Cruzada II
continuação do post anterior
A primeira Cruzada foi pregada em decorrência da meditação das palavras de Cristo: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16, 21-27).
Aquela mesma Cruz, em torno da qual se reuniam as pessoas nas catedrais, foi estampada nas vestes dos cruzados e exprimia o ato pelo qual o cristão se mostrava disposto a oferecer sua vida pelo bem sobrenatural do próximo brandindo suas armas.
O espírito das Cruzadas era, e continua a ser, o espírito do cristianismo: o amor ao mistério incompreensível da Cruz.
O professor Jonathan Riley-Smith, decano da renovação dos estudos sobre as Cruzadas, referiu-se àqueles que responderam ao apelo da primeira Cruzada, dizendo que estavam “inflamados pelo ardor da caridade” e pelo amor de Deus. Ele assim traça a motivação profunda daquela iniciativa.
Oferecer a própria vida é certamente a melhor forma de amor, e o ato mais perfeito de caridade, porque nos torna perfeitos imitadores de Jesus segundo aquelas palavras do Evangelho: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus irmãos” (Jo 15, 13).
Só o amor, resumido no sacrifício de Cristo na Cruz é capaz de derrotar a morte, que é o maior sofrimento físico, e o pecado, que é o supremo mal moral.
Esse espírito e esse estado de espírito, abundantemente documentado pelas fontes históricas, não brota como um rio lamacento do inconsciente coletivo do Ocidente, mas do livre arbítrio de indivíduos que nos luminosos séculos medievais responderam a um apelo dirigido à sua consciência.
A resposta a esse apelo pode ser considerada uma “categoria do espírito” que nunca perde validade.
A idéia de Cruzada não é apenas um evento histórico limitado à Idade Média, mas é uma constante do espírito cristão que na história conhece momentos de eclipse, mas que sob diversas formas está destinada a reflorescer.
Expurgar a idéia de Cruzada da “plataforma programática” pessoal significa banir a própria idéia do combate cristão.
O ensinamento de que a vida espiritual é uma luta está especialmente desenvolvido nas cartas de São Paulo. Em muitos lugares delas encontram-se metáforas e imagens tiradas da vida do guerreiro.
O Apóstolo explica como a vida cristã é um bonum certamen (bom combate) que deve ser batalhado “pelo bom soldado de Jesus Cristo” (II Tm. 2, 3).
“Revesti-vos da armadura de Deus ‒ diz ele ‒, para que possais resistir às ciladas do demônio. Pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal espalhadas nos ares. Tomai, por tanto, a armadura de Deus, para que possais resistir nos dias maus e manter-vos inabaláveis no cumprimento do vosso dever” (Ef 6, 11ss).
E ainda: “Ficai alerta, à cintura cingidos com a verdade, o corpo vestido com a couraça da justiça, e os pés calçados de prontidão para anunciar o Evangelho da paz. Sobretudo, embraçai o escudo da fé, com que possais apagar todos os dardos inflamados do Maligno. Tomai, enfim, o capacete da salvação e a espada do Espírito, isto é, a palavra de Deus.” (Efésios 6, 14-17).
O espírito da Cruzada e do martírio têm uma origem comum na dimensão profunda da guerra espiritual. O martírio, como o sofrimento, pressupõe o combate.
A própria vida de Jesus Cristo pode ser considerada como uma batalha constante contra o conjunto das forças hostis ao reino de Deus: o pecado, o mundo e o diabo.
Que a vida do cristão seja uma luta é um dos conceitos que com maior freqüência ressoa no Novo Testamento, onde lemos: “Suporta comigo os trabalhos, como bom soldado de Jesus Cristo. Nenhum soldado pode implicar-se em negócios da vida civil, se quer agradar ao que o alistou. Nenhum atleta será coroado, se não tiver lutado segundo as regras.” (II Tm. 2, 5).
O Evangelho, aliás, em seu genuíno sentido original, é a proclamação de uma vitória militar, neste caso a vitória de Cristo sobre o mal e os poderes das trevas.
continua no próximo post
(Fonte: Prof. Roberto de Mattei, “Il Foglio”, 08/06/2010, apud Corrispondenza Romana, 08/06/ 2010).
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